A mula-sem-cabeça é um personagem de uma lenda do folclore brasileiro que possui corpo de equino e uma tocha de fogo no lugar da cabeça. De acordo com a região do nosso país pode haver variações na nomenclatura utilizada, podendo ser chamada de: “Mulher de Padre”, “Mula de Padre”, “Mula Preta”, entre outros.
Entre as diversas descrições que existem é comum atribuir à mula-sem-cabeça as seguintes características:
- sua cor é sempre marrom ou preta;
- não possui cabeça, mas sim uma tocha de fogo no lugar;
- traz, nos cascos, ferraduras de ouro ou de prata que fazem um enorme barulho;
- relincha muito alto podendo ser ouvida há muita distância;
- costuma imitar gemido humano;
- só aparece altas horas da madrugada e dá preferência às noites de quinta e de sexta-feira quando faz lua cheia;
Como é comum às histórias populares não se sabe ao certo quando nem em que região brasileira surgiu essa lenda. O certo, é que é uma história contada com o firme intuito de assustar as meninas e moças dos povoados brasileiros desde os primeiros séculos. Dessa forma os pais buscavam manter, por meio do medo, o controle das filhas e a garantia da manutenção de princípios morais.
A versão mais conhecida
A versão mais conhecida e tradicional da lenda conta que, há muitos anos uma jovem e um padre de um arraial do interior do Brasil, se apaixonaram e tiveram um relacionamento amoroso. Como castigo pelo pecado cometido recaiu sobre a moça uma maldição que a condicionou para todo o sempre a transformar-se, em determinadas noites, em uma terrível mula de cabeça de fogo que sai pelas ruas “cumprindo o seu fadário, a correr desabaladamente, ao fúnebre tilintar de cadeias que arrasta, amedrontando os supersticiosos” (Aurélio, 2004). Acreditam então, os mais supersticiosos, que sempre que, em algum lugar, uma mulher e um padre tiverem um relacionamento amoroso a maldição se repetirá.
Diz o dito popular que a mulher que carrega essa maldição procura sempre uma encruzilhada para se transformar na assombração. Daí percorre “sete povoados, ao longo daquela noite, e se encontrar alguém chupa seus olhos, unhas e dedos”. Por isso mesmo para não ser atacado, os mais velhos aconselham que quem a vir tem que jogar-se rapidamente de bruços no chão e esconder os olhos, as unhas, e os dentes. Embora não se saiba qual o motivo desse fascínio da mula por essas partes do corpo, dizem que essa estratégia funciona e que feito isso a besta se afasta.
Variações da lenda
Há ainda outras versões menos conhecidas dessa lenda:
uma que atribui a metamorfose da mula-sem-cabeça à perda, pelas moças, da virgindade antes do casamento;
outra faz referência a uma rainha que tinha o hábito de devorar cadáveres de crianças no cemitério. Certa noite, tendo sido seguida e flagrada pelo rei cometendo o ato delituoso, teria se transformado na aberração e saído em disparada pelas matas para nunca mais reaparecer.
Há ainda versões que envolvem a maldição do padre e não da moça. Nesses casos o padre é condenado a passar a eternidade transformando-se em um “padre-sem-cabeça” que sai nas noites de lua cheia assustando as pessoas. Dizem que às vezes é visto correndo a pé e outras montado em um cavalo fantasma.
Possibilidades de interpretações
É importante observar que todas as versões apontam para a manutenção de princípios defendidos tanto pela igreja católica quanto pela sociedade ao longo da história do Brasil.
O celibato dos padres é, ainda hoje, um assunto polêmico, nem por isso a igreja abre mão desse princípio. Poder-se-ia talvez atribuir essa versão da lenda ao momento histórico da chegada dos jesuítas no Brasil, pois sabe-se que era comum naquela época situações de concubinato entre padres portugueses e nativas brasileiras.
Também no caso da rainha que devorava cadáveres é possível fazer uma relação com o período jesuítico. A história afirma que ao chegarem ao Brasil, um dos principais desafios desses religiosos era combater a antropofagia, ou seja, a prática dos índios de consumirem carne humana. Na cultura indígena esse não era um ato pecaminoso, pelo contrário, ao devorar seus semelhantes acreditavam receber destes, características como sua força, saúde, valentia, etc. Para a igreja católica e para a cultura européia, no entanto, essa atitude era demoníaca e inadmissível, por isso deveria ser banida.
No caso da versão que trata da perda da virgindade, mais uma vez tem-se uma ligação com as crenças da igreja católica e da sociedade européia. Entre os nativos brasileiros não existia a cultura do casamento e as relações sexuais aconteciam espontaneamente entre os membros da tribo. No caso da civilização européia, porém, o casamento era uma instituição importantíssima e a virgindade era uma condição para que uma jovem pudesse se casar. Uma moça que tivesse relações sexuais antes do casamento era excluída da família e marginalizada da sociedade.
Nas variações que envolvem a maldição do padre e não da mulher esta é vista como a vítima, que teria sido envolvida e seduzida pelo religioso ou muitas vezes tomada à força, vítima de estupro ou abusos sexuais. Mais uma vez percebe-se a intenção clara da igreja de coibir a prática do sexo pelos padres, nesse caso, com o agravante da não permissão da parceira que só se submete a tal ato devido à violência física ou moral que sofre.
Bem, seja qual for a versão, diz-se que o feitiço da mula-sem-cabeça só será quebrado no dia em que alguém conseguir lhe arrancar o cabresto, retirar os freios de suas narinas, ou feri-la com um alfinete virgem retirando-lhe pelo menos uma gota de sangue. Em Santa Catarina acredita-se que para descobrir se uma mulher é concubina de um padre basta por no fogo “um ovo enrolado em fita com o nome dela, e se o ovo cozer e a fita não queimar, ela é a mula sem cabeça.
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